Hoje eu acordei com saudade. Não foi da família como de costume, ou da casa linda no Brasil, nem do strogonoff. Eu tive saudade da parte de mim que ficou quando eu vim. Senti saudade de quem eu era na minha profissão.
Quando resolvemos vir para a Itália, eu sabia que por um certo tempo teria que abrir mão da minha profissão. Afinal, a Medicina é uma das profissões mais regulamentadas do mundo e não é por menos - países sérios protegem sua população de maus médicos. Mas fato de eu saber de ante-mão que teria que ficar "em suspenso" por um tempo não faz com que essa espera seja menos dolorosa.
Quando resolvemos vir para a Itália, eu sabia que por um certo tempo teria que abrir mão da minha profissão. Afinal, a Medicina é uma das profissões mais regulamentadas do mundo e não é por menos - países sérios protegem sua população de maus médicos. Mas fato de eu saber de ante-mão que teria que ficar "em suspenso" por um tempo não faz com que essa espera seja menos dolorosa.
Ao contrário de tantos colegas, eu sabia desde criança como era a profissão. Sabia como era passar os fins de tarde na sala de espera da emergência enquanto a minha mãe passava o plantão. Sabia como era procurar meu pai na platéia da minha primeira comunhão quando ele estava operando um paciente grave. Eu conhecia bem a expressão da minha tia quando saía de um encontro da família pra fazer um parto. Se alguém no mundo faz Medicina pelo glamour, certamente essa pessoa não sou eu.
Desde muito pequena, eu me interessava pela história das pessoas. Era tagarela e amava conhecer gente nova. Me lembro de olhar para as pequenas janelas dos enormes prédios e imaginar como era a vida de quem vivia ali dentro, quais eram suas histórias, seus sonhos. E foi assim, por pura curiosidade e sede de saber mais sobre as pessoas, que eu acabei médica. Claro, somado ao fato de que eu não conhecia nenhum outro ambiente onde me sentisse tão em casa como dentro de um hospital.
Foi mais ou menos assim que uma menina ansiosa de 19 anos entrou na sua primeira aula da faculdade na Universidade Federal de Santa Catarina em 11 de setembro de 2006. O futuro era todo meu! Eu tinha garantido minha profissão perfeita, na universidade perfeita (onde toda a minha família havia estudado, ao lado de casa e, sobretudo, onde minha mãe trabalhava como enfermeira desde a minha infância).
Durante seis anos, aprendi sobre pulmões e intestinos, vírus e bactérias, todo tipo de doença e todo tipo de cura. Meus momentos preferidos eram aqueles à beira do leito de um paciente, onde eu podia conversar e conhecer mais daquele indivíduo e da sua história. Era o pescador que não se alimentava até eu descobrir que ele só comia peixe, era a senhora com câncer de colo de útero que nunca tinha ido ao ginecologista na vida por pura vergonha, a criança em quimioterapia que acariciava meus cabelos por não ter mais os próprios para fazer penteados infantis...
A Medicina é minha profissão e meu parque de diversões. É uma grande parte do meu coração e da minha minha alma. Como fazer pra ficar longe?
Estou na Itália há exatos 18 meses. Seis meses atrás, enviei todos os documentos para o Ministério da Saúde em Roma para que fossem analisados (para quem quiser saber quais são esses documentos, aqui está o link). Ainda estou esperando a resposta deles e cada dia é um novo desafio. A minha profissão, às vezes, parece distante o suficiente para ser considerada outra vida.
Mas o amor ainda é maior e tenho certeza de que meus longos anos de formação como médica e depois ainda como cirurgiã nunca serão em vão. Se esses anos serviram para me tornar mais empática e mais generosa com relação a dor do outro, já é o suficiente para me tornar uma pessoa melhor, disposta a fazer as coisas (dentro ou fora da minha profissão) darem certo.
Atualmente, trabalho como voluntária em uma ONG que visa integrar os imigrantes de várias nacionalidades na cultura italiana. Você não pode imaginar quantas histórias ouvi! Como fui recebida com carinho por pessoas que não falam com a boca e sim, com a voz do coração. No fim das contas, eu encontrei um lugar onde posso ser a "caçadora de histórias alheias" e ainda ajudar os outros. Eu que estava acostumada a curar, hoje sou curada todos os dias pela energia contagiante de gente que largou tudo para sobreviver, para dar uma vida digna aos filhos, para poder simplesmente respirar traquilo.
Embora, ainda deseje muito voltar a minha profissão, hoje sou feliz assim.
Dra Mariana! Uma doçura de pessoa e uma médica competente, estudiosa e humana. Eternamente grata pelo primeiro atendimento e acolhida na emergência da Unimed, a minha mãe e a mim, num momento tão tenso.
RispondiEliminaMais uma vez, obrigada Dra Mariana.
Que história linda Mari!! Logo, logo estará com seus documentos em ordem e vai fazer o que tanto ama! Fico aqui na torcida!!!
RispondiEliminaEu sempre soube que você não veio a este mundo a passeio, filha. Lembro com saudades da menina com unifirme do Coração de Jesus, atravessando curiosa, o corredor da Emergência, sem ter medo do que via. O resultado, não poderia ter sido outro. "Sinhamu".
RispondiEliminaLindo Mari! Abrir mão mesmo que por tempo da profissão é um gesto de amor com muitos que já conhecemos seus. Torcendo para que voltes a profissão logo!
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